domingo, 19 de janeiro de 2014

MUDANÇAS CLIMÁTICAS PEDEM UM NOVO TRAÇADO DE AREAS DE PRESERVAÇÃO NO BRASIL.

Mudanças climáticas pedem novo traçado de áreas de preservação no Brasil

Deutsche Welle
As mudanças climáticas podem tornar as áreas de preservação ambiental obsoletas e ineficazes na proteção dos animais que habitam esses espaços de floresta. A constatação foi feita por um grupo de pesquisadores da UFG (Universidade Federal de Goiás), que publicou recentemente dois trabalhos em um jornal científico internacional. A descoberta adiciona mais uma faceta a um problema amplamente discutido pela comunidade científica: o encolhimento dos habitats de diversas espécies.
O trabalho dos pesquisadores combinou diferentes dados. Eles usaram seis modelos que sugerem a distribuição dos animais na região da Mata Atlântica, quatro previsões de variação do clima - que tomam por base diferentes cálculos de emissão de gases do efeito estufa e outras variáveis -, além de dez outros conjuntos parciais de dados.
Foram feitas 60 projeções para cada espécie a partir das condições climáticas atuais. Somando todas essas informações, os cientistas previram um salto de 50 anos na linha do tempo para criar o panorama das reservas no futuro. Diferentes projeções de aquecimento foram combinadas na pesquisa Diferentes projeções de aquecimento foram combinadas na pesquisa.
Áreas mais vulneráveis
Embora os estudos mais detalhados tenham considerado a situação da Mata Atlântica, outros biomas brasileiros também foram observados. O material publicado aponta a porção sul da Mata Atlântica, o norte do cerrado e da caatinga e o nordeste da floresta Amazônica como regiões onde o risco para as espécies é maior.
Um dos autores do trabalho, Rafael Loyola, do departamento de Ecologia da UFG, explica que isso ocorre por conta da adaptação dos animais aos locais onde vivem. Temperatura ideal e umidade são duas entre muitas dessas características que fazem com que uma determinada espécie escolha o local para viver. A própria fisiologia do animal responde às características de uma faixa territorial determinada. "Um animal tropical não vai ser encontrado em uma região fria", exemplifica.
Por isso, o trabalho dos pesquisadores também faz uma projeção futura da situação de temperatura e umidade nas áreas de conservação demarcadas. Conforme Loyola, muitas espécies seriam forçadas a sair e encontrar outros lugares com as condições que precisam para viver. "E nesse caminho, elas encontram monoculturas, hidrelétricas e outros obstáculos", aponta.
Além disso, ele explica que os espaços que poderiam oferecer essas características necessárias para a sobrevivência das espécies podem não coincidir com áreas protegidas. Isso coloca a existência dessas espécies em xeque.
Anfíbios em risco
Quando apenas o aumento da temperatura é considerado, o estudo aponta que, nos próximos 30 anos, 117 espécies podem perder seus espaços de distribuição – seis se tornariam ameaçadas e uma extinta. No caso dos anfíbios, foco específico de um dos trabalhos publicados, os números são ainda mais alarmantes. "O cenário é dramático e o risco de extinção pode se tornar ainda mais alto", adiciona Loyola.
O ciclo vital de sapos, rãs, pererecas e outros animais da mesma classe depende diretamente da umidade. E uma característica marcante desse grupo é ter uma fase do desenvolvimento na água. "Como são animais de pequeno porte, são incapazes de deslocamentos maiores", salienta Loyola. Mudanças nas condições climáticas representam uma redução de 72% na área atual de distribuição das populações que habitam a Mata Atlântica, o que ocasionaria a extinção de 12% das espécies.
O biólogo Francisco Rilla, do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), ratifica o conteúdo das pesquisas e acrescenta que este não é um problema exclusivo do Brasil. "Na Europa, 58% de todas as espécies podem não sobreviver nas áreas de conservação até 2080", enfatiza.
Rotas migratórias sob ameaça
Mas não são apenas os animais que vivem em áreas protegidas que correm risco. Aves, peixes ou mesmo mamíferos que tradicionalmente mantém hábitos migratórios sofrem com a mudança das condições climáticas. "As mudanças do clima criam importantes barreiras", alerta Rilla.
Ele explica que em suas rotas migratórias, por exemplo, aves costumam fazer paradas de alimentação e descanso nos mesmos lugares e, com as alterações do clima, podem não encontrar nesses espaços as condições que precisam para isso, sendo obrigadas a mudar o caminho.
Para amenizar o problema, no entender de Loyola, as reservas devem ser projetadas prevendo a situação presente e futura. Rilla completa que é preciso ver a demarcação de áreas de preservação dentro de uma perspectiva mais moderna, incluindo até mesmo ambientes urbanos. Ele diz que governos não podem enxergar esses espaços como locais onde tudo precisa ser mantido de forma intacta, mas como zonas alargadas em que o desenvolvimento sustentável é possível.
O biólogo sugere uma ampliação da perspectiva com a preservação de áreas que não protejam apenas um tipo de ecossistema, mas integrando diferentes ecossistemas para promover a diversidade e aumentar as oportunidades das espécies. "É preciso integrar as pessoas, recursos naturais, fauna e flora em um mesmo ecossistema, mesmo nas cidades. Não são coisas separas. São parte de um mesmo ecossistema".

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