Em meio à crise hídrica pela qual passam diversos estados do país, chamar a atenção do cidadão comum para a importância do uso racional da água é um dos principais objetivos do Fórum Cidadão – atividade paralela ao 8º Fórum Mundial da Água.
“Somos um país com quase 13% da água doce do mundo e ainda não tratamos essa água de maneira correta", destaca o presidente da Comissão do Processo Fórum Cidadão, Lupercio Ziroldo. “Às vezes, temos a falsa impressão de que se temos água na torneira e no chuveiro não temos problema com a água”, acrescenta. O Fórum Mundial da Água ocorre em Brasília, entre os dias 18 e 23 de março. Na programação, estão previstos mais de 200 debates e atividades.
Na Vila Cidadã, por exemplo, estarão à mostra experiências de sucesso que surgiram de soluções desenvolvidas pelo cidadão comum no âmbito de sua comunidade.
“Queremos dar amplitude a esse processo mostrando que as pessoas, desde o momento em que estão dentro de suas casas, devem ter essa consciência de que é importante cuidar da água”, explica Lupercio, que é engenheiro, governador do Conselho Mundial da Água e presidente da Rede Brasil de Organismos de Bacias Hidrográficas.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista de Lupercio Ziroldo à Agência Brasil:
Agência Brasil: O que é exatamente esse processo do Fórum do Cidadão que vai ocorrer no âmbito do 8º Fórum Mundial da Água?
Lupércio Ziroldo: O Fórum Cidadão é uma ideia que nasceu em Marselha (França) no 6º Fórum Mundial da Água, em 2012, quando já se tinha como certo que a água não é um insumo, nem um tema para ser discutido somente dentro de um escritório, e de que era necessário ter um processo ligado ao cidadão. A sociedade precisa, de alguma maneira, participar do processo de gestão da água e, quando eu digo a sociedade em geral, eu me refiro às pessoas que bebem água. Então, o Fórum Mundial da Água – que sempre foi um grande encontro de ideias e soluções, mas dentro da área técnica – introduziu esse processo para induzir o cidadão comum a participar desse debate.
Agência Brasil: Nesse contexto, qual é a expectativa para o fórum aqui no Brasil?
Ziroldo: O Brasil já tem uma tendência de participação popular nessa questão da água, por meio dos Comitês de Bacias Hidrográficas. É um processo que já dura 30 anos, em que todos os seguimentos da sociedade são representados nesses colegiados que tratam a gestão da água dentro das bacias hidrográficas do nosso país. Então, nós queremos, e a própria Agência Nacional de Águas nos incentivou muito a fazer, um grande Fórum Cidadão, para mostrar ao mundo que aqui a sociedade participa, fomenta a capacitação nas questões de água e tem alcançado grandes resultados. Nós queremos dar amplitude a esse processo, mostrando que as pessoas, desde o momento em que estão dentro de suas casas, devem ter essa consciência de que é importante cuidar da água.
Agência Brasil: Como será o funcionamento desse Fórum Cidadão?
Ziroldo: Estamos trabalhando em três grandes fases. A primeira é esta na qual estamos agora. Estamos difundindo a ideia, fazendo um trabalho de divulgação da informação pela mídia, por meio de boletins, do acesso a grandes entidades no país, a clubes de serviços, igrejas, associações que geralmente não atuam na área da água. Somos um país com quase 13% da água doce do mundo e ainda não tratamos essa água de maneira correta. Precisamos incentivar nas pessoas à criação de programas, projetos. Na segunda fase, temos que fazer ressoar os resultados que vamos obter dentro do Fórum Mundial da Água. Temos que fazer com que tudo isso seja mostrado para o mundo. Na segunda grande fase é que tudo o que aconteceu no fórum e vai se converter em informação e capacitação. Depois, vem a terceira fase, que, para mim, é a mais importante. Tivemos o trabalho de realizar o Fórum, e qual é o legado? O que aprendemos? Não podemos deixar isso acabar. Enquanto cidadãos, temos que fazer isso permanentemente dentro das nossas mídias, dos nossos sites, das nossas instituições.
Agência Brasil: Como é que as pessoas comuns vão conseguir criar projetos?
Ziroldo: Nessa primeira fase, isso ocorre por meio da informação. Quando você recebe uma série de informações sobre a água, você passa a lidar com a água dentro de casa de outro modo. E a comunidade também passa a lidar melhor com a água. Vou dar um exemplo simples: um dentista não teria em tese por que discutir a água, mas, se não for usando a água, ele não consegue manipular seu material e tratar os dentes dos pacientes. Então, essas pessoas precisam entender o valor intrínseco da água. Por isso, é que nesta primeira fase o nível de informação que a gente pretende atingir é o de levar as pessoas a entender que nós todos temos parte nesse cuidar da água.
Agência Brasil: Como é que o cidadão comum vai participar desse Fórum Cidadão? Que tipo de espaço ele vai ter para se manifestar, para buscar e encontrar informação?
Ziroldo: Podemos classificar essa participação em dois campos: o das pessoas que vão estar conosco no fórum em Brasília e, entre essas pessoas, temos técnicos – que atuam nas questões da água – e as pessoas comuns, alunos de escola da região que vão pegar um ônibus e vir até aqui para aprender. Então, nesse campo, nosso maior ganho é qualificar essas pessoas, alertá-las para a importância da água. Se elas participarem do fórum como um todo, vão entender por exemplo que o processo temático traz diversos temas e elas podem ouvir as palestras e entender o que está acontecendo e a melhor maneira de usar isso. E aí nós temos também um processo político, o processo da sustentabilidade, em que o olhar desse cidadão participante também pode levá-lo a mudar paradigmas, a mudar conceito de como cuidar da água. O segundo campo é o de quem não vai poder vir a Brasília; daquela pessoa para a qual a informação chegou por meio da mídia, da propaganda, de um panfleto. E a maneira como ela está envolvida no processo tem que continuar. Ela precisa continuar a ser mobilizada a participar, seja de maneira direta ou indireta, da questão da água, de cuidar da água. Às vezes, temos a falsa impressão de que se temos água na torneira e no chuveiro, não temos problema com a água.
Agência Brasil: Mas não é bem assim, não é?
Ziroldo: Não funciona assim. Brasília, por exemplo, está sofrendo com o problema que São Paulo já sofreu, e o Nordeste sofre há cinco anos, que é a falta de água ou a água de qualidade ruim. Não queremos que as pessoas cheguem a esse ponto de precisar entender da água quando ela falta. Por exemplo: todo mundo olha o preço na conta de água para ver quanto vai pagar, mas não olha aquele número que está junto do preço, que é o do consumo. A pessoa tem que pegar aquele número de consumo e dividir pelo número de pessoas na casa e verificar quanto cada uma delas gastou. Se esse número for maior que trezentos, existe um consumo excessivo de água naquela residência. Se você tem entre duzentos e trezentos isso já indica consumo de melhor qualidade, com uso otimizado da água. Mas, o problema é que ninguém olha para o consumo. Então, qualificar as pessoas para terem um cuidado melhor com a água é uma tarefa intrínseca ao fórum, antes e depois do evento.
Agência Brasil: Na programação do 8º Fórum Mundial da Água há a Vila Cidadã. O que é exatamente a vila e como vai funcionar?
Ziroldo: Na França e na Coreia, o processo fórum cidadão se deu na organização dentro do fórum. Porém, aqui no Brasil, quisemos criar um ambiente dedicado a esse processo. Então, criamos a Vila Cidadã, que vai ser um lugar de grandes conferências, pois vamos ter grandes palestrantes dentro da vila, e que também vai permitir às pessoas participarem e discutirem o uso ético da água. E vamos ter também um espaço que chamamos de Mercado de Soluções, onde elas vão ter acesso a cerca de 70 experiências que deram certo no mundo inteiro e vão ser trazidas para cá. Mas, não são experiências nascidas de grandes projetos com grandes financiamentos. Estamos trazendo soluções desenvolvidas pelo cidadão comum dentro da sua comunidade, que deram certo em bacias hidrográficas pequenas e medias, que podem até ter tido algum dinheiro público envolvido, mas cujo desenvolvimento foi feito com a participação social.
Agência Brasil: Qual a programação da Vila Cidadã? Na programação está prevista uma mostra Filmes sobre a Água?
Ziroldo: Serão exibidos mais de 40 filmes sobre a água no mundo, mostrando a questão em vários lugares e em situações de todo tipo, que pode estar em Uganda, em Moçambique, no Nepal, na Sibéria. São filmes para as pessoas se aculturarem. Vamos ter também na vila uma exposição interativa e espaços dedicados ao cidadão num ambiente um pouco fora da área técnica. E nós estamos fazendo o possível para ter uma diversidade grande de pessoas. Há uma expectativa de umas 5 mil pessoas por dia. A entrada é franca e nós estamos incentivando as escolas para que levem os alunos para ficar um período na Vila, não só as escolas de Brasília, mas de Goiânia, das cidades que estão perto. Estamos trabalhando para ter movimento o dia todo na Vila, de maneira que as pessoas possam usufruir do espaço, aprender, se qualificar.