quinta-feira, 21 de agosto de 2014

TRILHAS DA SERRA FINA-DEBATE-IMPACTOS,OPORTUNIDADE ORDENAMENTO E PLANO DE MANEJO

Com o objetivo ampliar o debate sobre o uso desordenado de trilhas na Serra Fina e aprofundar a matéria “Lixo e degradação de trilhas ameaçam a Serra Fina, publicada em 28 de julho (link 1), conversamos com os montanhistas Alexandre Lorenzetto, Lorenzo Giuliano Bagini, André Ilha e Ronaldo Franzen Nativo. O texto do André Ilha foi publicado na íntegra (link 2e o do Nativo será publicado em breve. Também buscamos informações complementares sobre o tema junto ao Instituto Chico Mendes de Proteção à Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável pelas gestão das unidades de conservação federais.

Sobre a proposta de moratória das autorizações para corridas de montanha, técnicos consultados avaliam que a ideia não é viável em virtude da ausência de instrumento legal que obrigue autorização para realização desses eventos, visto ser a Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra da Mantiqueira uma unidade de uso sustentável. Nessa ótica, apenas com o plano de manejo e o zoneamento da APA seria possível ordenar a atividade. No caso, embora tais competições se utilizem principalmente de trilhas já existentes, foi possível confirmar que novas trilhas foram abertas na Serra Fina para eventos esportivos. Resta precisar quantos quilômetros foram abertos. Segundo guias locais esse total passa de 10 km, grande parte em áreas acima de 1.800 metros de altitude e com elevada declividade. Outras fontes afirmam que seriam não mais de 4 km. De acordo com o artigo 3º da Lei 12.651/2012, o novo Código Florestal, a implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo é considerada atividade eventual ou de baixo impacto ambiental, o que as isentariam de licenciamento.
As trilhas da Mantiqueira não são assunto novo. O ICMBio, em 22 de janeiro de 2013, realizou uma reunião no Rio de Janeiro para discutir a implantação de um grande percurso na Serra da Mantiqueira, que ligaria o Parque Estadual de Campos do Jordão, no estado de São Paulo, ao Parque Estadual da Pedra Selada, já no estado do Rio de Janeiro (link 3). O caminho aproveitaria trilhas e estradas rurais já existentes, passando em sua maior parte pela APA da Serra da Mantiqueira, mas também por outras unidades, como o Parque Nacional do Itatiaia. No entanto, o detalhamento da ideia não avançou e tudo indica que o uso das trilhas continua aumentando.

Em recente visita à Serra Fina, na Mantiqueira paulista, técnicos do próprio ICMBio constataram o uso intensivo e desordenado da trilha de acesso ao ponto culminante do estado de São Paulo. A situação motivou os gestores da APA e o Conselho dessa Unidade de Conservação (Conapam) a constituir um Grupo de Trabalho. O GT buscou apoio na Câmara Técnica de Montanhismo e Ecoturismo do Conselho do Parque Nacional do Itatiaia, que trabalha com o tema há alguns anos. O primeiro encontro, já realizado, indicou algumas diretrizes para os próximos passos, visando maior controle e ordenamento da visitação.

O biólogo e montanhista Alexandre Lorenzetto avalia que a maioria dos usuários frequenta a montanha porque gosta dessas áreas e devem ser considerados aliados da sua conservação. Considera ainda que organizações e coletivos de montanhismo são importantes para ajudar a organizar a visitação. “Do ponto de vista técnico, realmente precisamos avaliar os impactos que seguramente existem e sempre existirão se a área continuar a ser usada. Devemos tratar de buscar medidas que minimizem esses impactos ao mesmo tempo em que as pessoas sigam utilizando a área. Para tanto, precisamos de informações básicas sobre o uso, como por exemplo, quantas pessoas frequentam o lugar e em que época. Talvez, com esse número em mãos, vamos acabar percebendo que a visitação é muito pequena, que o problema é comportamental, e aí a abordagem deve ser mais educativa, informativa, do que regular o número de pessoas.”

O geógrafo Lorenzo Bagini, também montanhista e conhecido por medir a Serra Fina com precisão em 1999, reconhece o aumento expressivo do movimento de turistas e montanhistas na região como um fenômeno muito recente, assim como a própria “descoberta” do local por volta do ano 2000, e destaca o crescimento dos esportes de montanha e do turismo de aventura nos últimos 15 anos. “O que não aconteceu foi um mínimo de planejamento visando a proteção e o ordenamento de visitação na zona núcleo da APA da Mantiqueira. O momento atual é muito propício para se fazer esse trabalho envolvendo todos os setores interessados (montanhistas, agências, poder público, pesquisadores e ambientalistas) e representa uma oportunidade ímpar para a criação de um novo modelo, mais flexível, ambientalmente correto e que não puna montanhistas, agências e até mesmo proprietários locais.”

Os posicionamentos refletem a importância das áreas protegidas, públicas e privadas, como indutoras de condutas ambientalmente corretas e potencialmente formadoras de massa crítica em favor da sua proteção. Por outro lado, alerta para a urgência em regular a utilização dessas áreas nos limites da sustentabilidade dos ecossistemas. O debate continua.


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