Pesquisadores fazem inventário geológico de São Paulo 3 de março de 2017
Peter Moon | Agência FAPESP – Há 260 milhões de anos, no período Permiano médio, boa parte do Estado de São Paulo era coberta pelas águas do mar Irati. Uma das evidências mais fascinantes desse antigo mundo marinho está em Santa Rosa do Viterbo, na região de Ribeirão Preto. Lá, o trabalho de extração em uma mina de calcário revelou a existência de diversos estromatólitos gigantes.
Estromatólitos são estruturas sedimentares formadas pela atividade de microalgas em águas rasas. As algas vivem em “tapetes”, que crescem verticalmente ao longo de milhares de anos para formar estromatólitos, assim como ocorre com os recifes de coral.
Estromatólitos estão presentes em todo o mundo, mas quase sempre são pequenos. Em Santa Rosa do Viterbo não é assim. Lá há um excepcional campo de estromatólitos gigantes, com até 3 metros de altura. O local é único no planeta e um dos 142 geossítios selecionados para compor o Patrimônio Geológico do Estado de São Paulo.
O trabalho de seleção dos sítios geológicos levou três anos, de 2012 a 2015, e foi liderado por Maria da Glória Motta Garcia, professora no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo e coordenadora do projeto de pesquisa apoiado pela FAPESP. Ela teve assessoria do geólogo português José Brilha, do Instituto de Ciências da Terra da Universidade do Minho, em Braga, Portugal.
O trabalho foi financiado pelo Programa Ciência sem Fronteiras, por meio da modalidade Pesquisador Visitante Especial. A coordenação foi da USP e Universidade do Minho com a colaboração da empresa Geodiversidade Soluções Geológicas Ltda. O levantamento envolveu uma equipe de 16 pesquisadores, composta por geocientistas da USP, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Federal da São Carlos (UFSCar), Instituto Florestal e Instituto Geológico do Estado de São Paulo e Universidade Federal do Paraná – além de 13 outros profissionais da área de geociências.
Resultados do inventário do Patrimônio Geológico do Estado de São Paulo foram publicados no periódico GeoHeritage.
Coube aos coordenadores fazer o levantamento dos sítios com potencial para integrar o inventário, explica Maria da Glória Garcia. “Chegou-se assim a um total de 193 geossítios, dos quais foram selecionados os 142 mais relevantes”, disse.
“Os sítios foram classificados de acordo com uma lista com 11 marcos de referência geológica, como por exemplo terrenos pré-cambrianos, riftes continentais, unidades geomorfológicas e formas de relevo, ou cavernas e sistemas de carste, entre outra categorias”, disse a pesquisadora, que é coordenadora do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas).
O objetivo final do trabalho foi classificar os sítios geológicos pelo valor científico e risco de degradação, “de modo a estabelecer prioridades de manejamento e geoconservação”.
Entre os 142 geossítios selecionados há locais importantes dos pontos de vista tanto científico quanto turístico. Exemplos que aliam ambas as perspectivas são duas grutas. Uma delas é a caverna da Tapagem, popularmente conhecida como Caverna do Diabo, a maior gruta do Estado de São Paulo, no Parque Estadual de Jacupiranga, município de Eldorado, no sul do estado.
A segunda caverna fica na mesma região. Trata-se da Caverna Santana, no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), uma das mais significativas do Brasil em termos dos seus espeleotemas (estalagmites, estalactites e formações rochosas similares).
Outro geossítio de importância geomorfológica e turística é o Pico do Itapeva, de 2.025 metros de altura, na divisa entre Pindamonhangaba e Campos do Jordão. A montanha, na Serra da Mantiqueira, é formada por granitos e gnaisses muito antigos, pré-cambrianos, portanto com mais de 550 milhões de anos. Do seu cume avista-se o Vale do Paraíba e, ao fundo, a Serra do Mar, o que dá o toque turístico ao geossítio.
O Vale do Paraíba, aliás, é um vale de rifte, aberto por forças tectônicas que culminaram na formação da Serra da Mantiqueira e da Serra do Mar. No período Oligoceno, todo o vale era coberto por um paleolago, o lago Tremembé, que tem este nome por causa dos terrenos que o formam, pertencentes à formação geológica Tremembé.
O geossítio a ser preservado, neste caso, fica na mina de argila da Sociedade Extrativa Santa Fé, em Tremembé.
Trata-se do mais importante sítio fossilífero do período Paleógeno [entre 66 e 23 milhões de anos atrás] brasileiro. Foi nas argilas da mina que o doutor Herculano Alvarenga, diretor do Museu de História Natural de Taubaté, descobriu em 1982 os fósseis quase completos de uma ave do terror – terror birds, classificadas nas ordens Gastornithiformes e Cariamiformes –, o predador de topo do paleolago há 22 milhões de anos.
Deserto no Jurássico
Outro registro de lagos, só que muito mais antigo, fica em Itu. O Parque do Varvito foi criado onde ficava a Pedreira Itu, onde por mais de um século se extraíram lajes de varvito para a pavimentação das calçadas da cidade.
O varvito é uma rocha sedimentar composta de argila e silte. Neste caso, a pedreira era o fundo de um lago glacial, quando São Paulo era coberto por geleiras em algum momento do Permo-Carbonífero.
No quesito geomorfológico, um dos geossítios selecionados foi o Morro do Diabo, no parque estadual homônimo, em Teodoro Sampaio, no extremo oeste do estado, divisa com o Paraná. O morro de 600 metros de altura é formado por depósitos de arenito das antigas dunas do deserto Caiuá.
Trata-se de um enorme deserto que cobria o centro-sul do Brasil no período Jurássico, há 170 milhões de anos, quando a América do Sul encontrava-se colada à África e o nosso país ficava no centro do supercontinente Gondwana.
Segundo Maria da Glória Garcia, o levantamento seguiu a metodologia criada por José Brilha, por ele empregada na elaboração do inventário do Patrimônio Geológico de Portugal.
“Diversos países europeus estão realizando ou já possuem o inventário dos seus patrimônios geológicos, como é o caso de Portugal. No momento, Portugal e Espanha estão dando um passo além, selecionando o melhor dos seus inventários para estabelecer o Patrimônio Geológico da Península Ibérica”, disse.
No Brasil, o trabalho da Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP) merece destaque. Foram publicadas listas com algumas dezenas de geossítios no país, destacados na série Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil, em que os pesquisadores nacionais sugeriram sítios geologicamente importantes.
“O inventário completo e sistemático, utilizando métodos bem definidos, dos geossítios do Estado de São Paulo é um trabalho pioneiro no Brasil e na América do Sul. Esperamos que, no futuro, mais estados realizem o levantamento do seu patrimônio geológico, permitindo assim que, aos poucos, seja criado um inventário brasileiro”, disse.
Entre os próximos passos do trabalho as prioridades são passar os dados do inventário ao Instituto Geológico do Estado de São Paulo e criar um site na internet com informações dos 142 geossítios.
“A lista completa foi entregue apenas como relatório técnico à Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. É importante que este inventário sirva de subsídio para que o patrimônio geológico seja incluído na gestão do território, seja na criação de leis adequadas de proteção, no geoturismo e na popularização da ciência”, disse Maria da Glória Garcia.
O artigo The Inventory of Geological Heritage of the State of São Paulo, Brazil: Methodological Basis, Results and Perspectives (doi:10.1007/s12371-016-0215-y), de Maria da Glória Motta Garcia e outros, pode ser lido em http://link.springer.com/article/10.1007/s12371-016-0215-y.
O artigo Inventory and Quantitative Assessment of Geosites and Geodiversity Sites: a Review, de José Brilha, pode ser lido em http://link.springer.com/article/10.1007/s12371-014-0139-3.
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